terça-feira, 1 de dezembro de 2009

ADVOCACIA EM PERIGO


Vou reproduzir abaixo, artigo do Professor Antonio Álvares da Silva, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, que trata da advocacia nos dias atuais. O Prof. Antonio Álvares da Silva é uma das autoridades mais respeitadas em conhecimentos jurídicos em nosso País, portanto, aconselho uma leitura atenta, pois concordo com sua opinião em todos os aspectos.

Boa leitura e até a próxima.

ADVOCACIA EM PERIGO
Antônio Álvares da Silva
Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG

A advocacia está em perigo. Esta bela atividade corre o risco até mesmo de extinguir-se como profissão liberal. A afirmativa não é só minha, mas também de grandes advogados que já constataram o fato.

Tudo começa com publicização constante. Para defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, criou-se o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado. São inúmeras as ações propostas pelo MP no cumprimento de sua missão. Para defender a União, representando-a judicial e extrajudicialmente, criou-se a Advocacia Geral. Nos Estados, há idênticos mecanismos. Inúmeras empresas públicas, sociedades de economia mista e autarquias têm seus próprios serviços jurídicos. Aos sindicatos cabe a defesa das categorias que representam, inclusive em questões judiciais. Muitas associações fazem o mesmo com seus filiados. A Defensoria Pública presta assistência aos necessitados em todos os graus de jurisdição. Advogados de partido e escritórios representam, permanentemente em juízo, empresas e grupos. E vai por aí afora.

Asfixiada por tanta concorrência, a autêntica advocacia, como profissão liberal, em que se escolhia o profissional para a atuação em juízo, praticamente acabou. Restaram alguns nichos no campo do Direito do Trabalho, Família e algumas questões de Direito Privado ou Público.

A estes fatos se ajunta um outro: a demora do Judiciário. Segundo dados do CNJ, todas as jurisdições estão deficitárias. Julgam menos do que as ações que nelas ingressam. Não há solução em curto prazo. Se para os réus esta situação é favorável, para os autores ela é terrivelmente maléfica, principalmente para os pobres, que têm na causa ajuizada a única esperança de algum ganho na vida. Cite-se como exemplo o crédito trabalhista de um empregado e a aposentadoria de um trabalhador.

Há poucos dias, mostrava a meus alunos o caso de um recurso de revista que ficou no TST oito anos e foi anulado, para que o TRT de Minas o julgasse de novo. Feito o julgamento imediatamente, pode ser que o processo dure outros oito anos.

A média de idade de um bacharel está entre 24 e 25 anos. Admitindo-se que vá advogar até os 70 anos, terá 45 anos de exercício profissional. Se cada recurso de revista durar oito anos para ser julgado, terá ele a oportunidade de interpor durante a vida cerca de seis recursos de revista.

O resultado destes fatos é que o jovem hoje não pensa mais no exercício liberal da profissão. Já se forma com a vontade dirigida para tornar-se servidor público, como juiz, promotor, advogado de estatais, professor universitário em universidades públicas, etc. Os mais capazes são aprovados. Resta para a advocacia, com exceção de alguns vocacionados e capazes, o que sobrou.

Por isto é que hoje se vêem petições mal redigidas, erros jurídicos e de português e outros problemas. Um núcleo de bons advogados convive com a maioria de menos capacitados e a concorrência muitas vezes se torna desleal.

É verdade que esta é uma visão apenas parcial, porque os outros que foram para o serviço público também são bacharéis. Estamos levando em conta apenas a advocacia como profissão liberal, pois é aqui que se localiza o problema.

Se as coisas continuarem assim, em breve teremos este paradoxo, que já é perceptível: de um lado, uma burocracia muito bem formada, de pessoas conhecedoras da Ciência do Direito, à espera das causas e ações, que não serão ajuizadas com a qualidade desejada. E, mesmo que fossem, esta elite que hoje faz parte do Judiciário não é capaz de agilizálo, porque o processo não permite. Há recursos e protelações por todos os lados. Nada chega ao fim.

Enquanto isto, os gastos impressionantes com a burocracia judiciária crescem assustadoramente, engolindo dinheiro que deveria estar no saneamento básico, infraestrutura, educação, segurança pública e microempresas.

Para que o leitor tenha uma ideia, basta afirmar que a Justiça do Trabalho gasta cerca de 9,2 bilhões com um milhão e setecentos mil processos, em média, o que dá um custo de mais de cinco mil reais por processo. Este custo não é proporcionalmente diferente nos demais ramos do Judiciário. Portanto há gastos excessivamente elevados para uma prestação jurisdicional notoriamente deficitária. O erro, é preciso deixar claro, está na estrutura envelhecida, na qual se recorre de tudo, esticando o processo através de uma burocracia sem fim.

O resultado final disto tudo é negação da justiça ao cidadão, com claro desrespeito ao art. 5º, LXXVIII, da Constituição que promete a prestação jurisdicional em tempo razoável.

O Judiciário não funciona e continuará não funcionando, enquanto as reformas processuais se limitarem a pequenas regras. Temos que enfrentar o problema de frente. O legislador tem que agir com coragem e destemor. Caso contrário, consumiremos rios de dinheiro com a burocracia judiciária, sem nenhum resultado para o povo.

(Publicado no Jornal Hoje em Dia em 24/11/09)